jueves, abril 18, 2024
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Governos restringem energia nuclear na Europa; Brasil é foco de investidores

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O governo brasileiro trabalha na retomada do seu programa nuclear. O programa incluia construção de doze usinas nucleares para produção de energia elétrica até 2050, além das duas já existentes, Angra 1 e Angra 2, e a que está em fase de finalização, Angra 3, todas no estado do Rio de Janeiro. Hoje a participação nuclear na matriz energética brasileira é inferior a 2%, o objetivo é ampliar essa participação para 5%. “O Brasil não poderá abrir mão da energia nuclear em função da segurança energética que representa e visto que é uma energia barata”, declarou o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, em audiência pública na Câmara dos Deputados.

5.nuclear brazil

A iniciativa de reativar o programa nuclear brasileiro, no entanto, foi tomada de maneira antidemocrática, avalia o físico e professor da Universidade Federal de Pernambuco, Heitor Scalambrini Costa, membro da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.

“Um grupo de dez pessoas que compõem o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) tomou a decisão. A maioria do Conselho é composta por ministros de Estado, que tem a obrigação de dizer sim ao presidente da República. A única que não concordou foi a então ministra do meio ambiente Marina Silva, que posteriormente renunciou a seu cargo. Não houve nenhuma discussão mais abrangente com setores da academia, cientistas, sociedade civil”,

AFIRMA O PROFESSOR.

Acoplada à decisão de reativação do programa nuclear está a defesa, por parte de representantes do governo e de empresas, de mudanças no modelo de construção das novas usinas de forma a permitir a participação do setor privado – hoje a atividade é uma atribuição exclusivamente estatal. De acordo com a empresa estatal responsável por operar e construir usinas termonucleares no Brasil, a Eletronuclear, “sem dúvida, poderão conter tanto investimentos privados nacionais quanto internacionais”, afirma em sua página web.

Em relação aos fornecedores de tecnologia – a primeira usina foi construída com tecnologia norte-americana e as outras duas com tecnologia alemã – agora a Eletronuclear amplia a possibilidade de fornecedores. “Para as usinas pós-Angra 3, espera-se a participação dos principais fornecedores internacionais: a francesa Areva/Mitsubishi; a norte-americana Westinghouse/Toshiba; a russa Rosenergoatom, além das chinesas CNNC e SNPTC”.

O cenário de possibilidades de negócios aberto no Brasil gerou no país um clima de pressão por parte das empresas - expresso em declarações na mídia e em lobby no Congresso Nacional - para que o governo acelere o processo de investimentos. Somente nos últimos quatro meses, dois grandes eventos internacionais aconteceram no Rio de Janeiro e em São Paulo para promover a energia nuclear como energia limpa, com a participação dos grandes investidores internacionais.

Representante da empresa francesa Engie declarou à imprensa brasileira, na ocasião da Conferência Internacional Nuclear do Atlântico (INAC – 2015), realizada em outubro do ano 2015 em São Paulo, o interesse da Engie Brasil pela energia nuclear no país. "A Engie é um grande player em programas de energia nuclear no mundo e temos profundo interesse no mercado brasileiro. Aguardamos a sinalização do governo para a abertura do mercado à iniciativa privada e estamos aqui, mais uma vez, para colaborar com as autoridades, demonstrando nossa experiência no INAC", afirmou Maurício Bahr.

Pelo lado do governo federal sinais estão sendo emitidos no sentido de tornar a energia nuclear em um negócio. Leonam dos Santos Guimarães, diretor de Planejamento, Gestão e Meio Ambiente da Eletronuclear, durante o VI Seminário Internacional de Energia Nuclear 2015, que aconteceu em junho na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, admitiu perante os investidores internacionais a necessidade de flexibilização do modelo de negócios no sentido de facilitar e viabilizar maior interesse de empresas privadas. No encontro empresas estrangeiras reafirmaram seu interesse no setor nuclear brasileiro e debateram possíveis modelos de parcerias público-privadas que podem ser adotados pelo Brasil.

O Brasil possui a sétima maior reserva mundial de urânio, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea). Além disso, o país domina a tecnologia de todo o ciclo da fabricação do combustível, inclusive a principal fase, o enriquecimento – hoje o enriquecimento é feito comercialmente apenas pelos Estados Unidos, Rússia, China, Japão e dois consórcios de países europeus. “Sem dúvida a existência do urânio e o domínio da tecnologia são determinantes para que o país decida pela continuidade do seu programa nuclear”, avalia Scalambrini.

Falta de energia?

A geração de eletricidade no Brasil por meio de centrais térmicas não é motivada pelo esgotamento do potencial hídrico, predominante na geração de energia elétrica do país, mas para fazer frente aos riscos hiBdrológicos, defende o governo brasileiro. “A componente hidroelétrica continuará a predominar no sistema”, explica em nota a TruthOut a assessoria de comunicação da Eletronuclear, estatal responsável pela implantação e operação de usinas nucleares no governo federal. Mas para o governo, “as usinas são componentes necessários para garantir o funcionamento seguro do sistema de energia”.

Para o físico Scalambrini, a decisão é equivocada. “O país dispõe de recursos renováveis abundantes e diversos que podem atender a uma demanda eficientizada, sem desperdícios e com geração descentralizada, além da complementariedade entre as diversas fontes energéticas renováveis. Não há, portanto, razões para investir centrais nucleares no país”, afirma o professor.

Pressão Russa

Desde 2005, a indústria nuclear intensificou seu agressivo lobby em diversos países da América Latina, com forte influência nos setores legislativos e da política energética, sostiene Scalambrini.

“O caso brasileiro de se movimentar no sentido inverso é devido à pressão de grupos de interesses poderosos como as empresas do lobby nuclear, de grupos de cientistas pelo prestígio que confere e oportunidades de novas pesquisas financiadas, de fornecedores de equipamentos e empreiteiras. Além, é claro, de setores das forças armadas, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz. Isto sem contar a mídia empresarial cujos interesses são claramente favoráveis a esta fonte energética”, sostiene Scalambrini.

Um desses poderosos lobbies é feito pela corporação estatal do setor nuclear russo a Rosatom, muito interessada nos negócios do nuclear no Brasil, afirma o professor. A Rosatom engloba mais de 250 empresas e instituições científicas, incluindo todas as empresas civis nucleares da Rússia, as instalações do complexo de armas nucleares, organizações de pesquisa e a única frota de propulsão nuclear do mundo. E ocupa posição de liderança no mercado mundial de tecnologias nucleares”, explica Scalambrini.

Esta empresa já demonstrou ao governo brasileiro que estaria disposta a construir, operar e financiar investimentos em usinas atômicas no país. “Por esses acordos, a empresa russa receberia ações da companhia dona das usinas, proveria expertise técnica e a maior parte do financiamento, construiria as unidades e operaria as instalações”.

Todavia para que outras nações possam gerir estes negócios em solo brasileiro seriam necessário mudanças na Constituição Federal de 1988, pois os art. 21, inciso XXIII, e 177 garantem o monopólio da União para toda a cadeia do urânio – da mineração à geração de energia elétrica.

“Sem dúvida alguma são negócios bilionários, e é fundamentalmente o dinheiro envolvido que movem os interesses. Cada usina de 1.000 MW custa 5 bilhões de dólares”, sostiene Scalambrini. “Toda esta pressão pela construção das usinas, lamentavelmente é feito em detrimento dos reais interesses das gerações atuais e futuras. É inaceitável que a decisão de construir centrais nucleares no país seja feita em um mero balcão de negócio, sem a necessária salvaguarda da vida das pessoas”, sostiene.

Países dizem não

A decisão do governo brasileiro segue a direção contrária de governos europeus, como o francês e alemão, que, após o colapso de Fukushima em 2011, fora de controle até hoje, lançaram-se ao debate e, por pressão da sociedade, decidiram não investir mais em novas plantas de energia nuclear.

O parlamento francês adotou definitivamente uma lei de transição energética visando reduzir o uso da matriz nuclear na produção de eletricidade. Até 2025, a participação da matriz nuclear na produção de eletricidade deve ser reduzida de 75% a 50%. Com 19 centrais, a França detém o segundo maior setor nuclear do mundo. Sua economia depende da energia nuclear como nenhuma outra para seu consumo de eletricidade, suprindo quase 75% das necessidades.

O setor nuclear francês, antes mesmo do anúncio da redução, já enfrenta dificuldades. Seu carro-chefe industrial, o grupo Areva, que aposta no negócio nuclear brasileiro, relatou uma perda de quase 5 milhões de euros em 2014 e deve fechar entre 5 a 6 mil postos de trabalho.

A Alemanha declarou em 2011que desligará todas as usinas atômicas de produção comercial de eletricidade até 2022. De acordo com a Articulação Antinuclear Brasileira, o governo justifica a decisão, alegando problemas de insegurança.

Somam-se ainda a Áustria, Bélgica, Suíça, Itália (decisão plebiscitária, onde mais de 90% da população votou contrário à instalação de novos reatores nucleares em seu território) que reviram os planos de instalação de novas usinas, e decidiram se distanciar da energia nuclear.

Alemanha rompe acordo nuclear com Brasil

Em 27 de junho de 1975, no auge da ditadura militar brasileira, foi assinado o "Acordo de Cooperação para Uso Pacífico da Energia Nuclear Brasil-Alemanha", que entrou em vigor em 18 de novembro de 1975, com validade de 15 anos. Além de cooperação científica, o contrato previa o uso da tecnologia alemã para construir, no Brasil, até oito usinas nucleares, uma usina de reprocessamento de combustível atômico e outra de enriquecimento de urânio.

A cada 5 anos, se nenhum dos dois países denunciassem oficialmente o tratado, até um ano antes da data prevista para sua revalidação, o Acordo era automaticamente renovado. Uma articulação internacional de organizações brasileiras e alemãs criaram uma companha contra a continuidade do acordo. Em novembro de 2014, o governo alemão rompeu o tratado, que passa a ser extinto a partir de 18 de novembro de 2015, propondo ao governo brasileiro que se concentre na exploração de recursos energéticos renováveis.

O Acordo Nuclear representou cerca de um terço da dívida externa brasileira no início dos anos 80, de acordo com informações da Articulação Antinuclear Brasileira, e gerou a usina de Angra 2, que fabrica menos de 2% de toda a eletricidade produzida no país e custou cerca de 14 bilhões de dólares.

O governo alemão também se recusou a chancelar empréstimos para a construção da usina nuclear Angra 3, por não apresentar as condições de segurança necessárias.

Cultura do Segredo

Se a disputa pelo mercado nuclear brasileiro já começou, as informações à sociedade sobre os planos de governo são escassas. “As notícias que são divulgadas pela imprensa muitas vezes são desencontradas. Existem poucas informações do governo sobre os processos de implantação, modelo de gestão das usinas, locais escolhidos para a construção das usinas e sobre segurança. A cultura do segredo e a falta de transparência cercam as questões relativas ao nuclear”, afirma o professor.

O Departamento de Imprensa do Ministério de Minas e Energia, ao ser questionado pela equipe de reportagem sobre o planejamento do governo brasileiro para o setor nuclear, se limitou a responder o número de usinas que serão construídas e seu potencial energético. “Outras questões ainda estão em análise e não há dados a serem divulgados”, respondeu o Departamento de Imprensa por meio de nota.

De acordo com Alzeni Tomáz, Secretária Geral da Sociedade Brasileira de Ecologia Humana, a Constituição brasileira respalda a postura de governo brasileiro. “A Lei 4.118/62 no art.º 27 estabelece o caráter sigiloso da atividade nuclear. É nisso que o governo se baseia para dar o caráter de sigilo às ações nucleares. Isso eles o fazem muito bem”, explica.

Usina nuclear no semiárido

Indígena Pankará: "Se continuar estes projetos vamos desaparecer"
Indígena Pankará: "Se continuar estes projetos vamos desaparecer"

As terras e o clima são os mais secos do Brasil. A última seca leva três anos. A maior parte das comunidades vive sem água encanada, dependendo de caminhões pipa para hidratar-se, cozinhar e para a higiene pessoal e da casa. A região é conhecida como o sertão nordestino, a área semiárida do mundo mais povoada, com cerca de 17 milhões de habitantes. A vegetação predominante é conhecida como caatinga, de ávores baixas e troncos grossos. A primeira vista parecem estar mortas pela seca, mas com pouca chuva a folhagem verde e toda a vida se desperta.

Um destes municípios do sertão nordestino, a cidade de Itacuruba, estado de Pernambuco, nas margens do Rio São Francisco [um dos principais rios do Brasil e que corta o sertão], é forte candidata a receber uma das quatro primeiras usinas nucleares, previstas no Plano Nacional de Energia - 2030.

“A finalização dos estudos para a escolha do local da Central Nuclear nordestina apontou as margens do Rio São Francisco como a melhor opção quando confrontadas com cerca de 20 critérios de exclusão e evitação no processo de seleção de sítios. O uso da água do rio nas usinas pode se limitar a 0,4% de sua vazão mínima, caso se utilizem torres de refrigeração, o que constitui um reduzido impacto ambiental”, afirma a Eletronuclear em sua página web.

“O local exato não foi oficialmente anunciado. A área pré-selecionada a beira do rio São Francisco foi mencionada em um documento oficial do escritório regional da Eletronuclear no Recife, estatal responsável pela implantação e operação de usinas nucleares no governo federal, apontando a cidade de Itacuruba, a 481 km da capital do Estado, Recife, como a primeira opção para a instalação de uma usina nuclear no nordeste”, explica Scalambrini.

A implantação das termonucleares tem sido motivo de alerta e resistência para os movimentos sociais, principalmente por aqueles que lutam por manter a vida do Rio São Francisco, impactado por inúmeros megaprojetos. “Seja onde for implantada a usina nuclear, toda a população do São Francisco será efetivamente atingida. Territórios indígena, comunidades quilombolas e comunidades pesqueiras estão diretamente na mira deste empreendimento”, afirma Tomáz.

Terras Sagradas

Terras sagradas dos Pankará
Terras sagradas dos Pankará

A área indicada em Itacuruba faz parte das terras sagradas do povo indígena Pankará. “O governo faz grandes projetos e não pergunta para nós, para aqueles que vivem da terra, o que pensamos e o que queremos. Não nos respeita”, afirma Lucélia Pankará, líder dos indígenas. As terras dos Pankará em Itacuruba estão em processo de reconhecimento e demarcação por parte do Estado. “Mas com estes projetos, todo o processo se detém”, lamenta.

Ao centro, chefe indígena dos Pankará
Ao centro, chefe indígena dos Pankará

O trecho do Rio São Francisco que banha as terras dos Pankará em Itacuruba está desde o final da década de 1980 represado pela construção de uma hidrelétrica. A antiga cidade de Itacuruba foi totalmente submersa e as pessoas foram realocadas para as margens do lago, compondo a nova Itacuruba.

8.terras submersas
Águas do Rio São Francisco inundaram terras do sertão para a construção da Hidrelétrica

Geraldo Leal, indígena Pankará, foi uma das quase 20 mil pessoas que foram retiradas de suas terras e de suas casas. “Itacuruba era essencialmente rural, produzia para toda a região. Eu morava em uma das inúmeras ilhas do rio. A terra era extremamente fértil. Plantava de tudo e tudo dava, frutas, arroz, feijão, batata, cebola, legumes, hortaliças. E tínhamos peixe em abundância. O que sobrava, a gente vendia. Tudo foi alagado com a represa e a gente ficou nesta situação, sem terra. Nos mandaram para a cidade”, conta Geraldo.

O indígena foi para a cidade, mas não sabia viver longe da terra. “Nasci e cresci agricultor”. Ele voltou para as terras que eram de seus antepassados e agora espera, junto com seu povo, pela demarcação ameaçada pela possível construção da usina. “Estamos esperando que as terras sejam reconhecidas antes que a criação da usina seja oficializada. Ou melhor, esperamos que a construção da usina não aconteça. A nossa terra é nosso história, nossa vida, é o registro de todos os nossos antepassados. Como os pajés vão ensinar nossos filhos se estamos dentro da cidade, não tem como preservar a cultura. A única maneira que vimos foi retomar as terras que eram dos nossos antepassados e que nos foram tomadas”.

Geraldo e sua família esperam a demarcação de suas terras
Geraldo e sua família esperam a demarcação de suas terras

Texto originalmente publicado em inglês por ⇒ TruthOut.

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