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Complexo hidrelétrico inundará território munduruku na Amazônia

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O povo indígena Munduruku, composto por 13 mil pessoas, um dos mais numerosos grupos étnicos do Brasil, vive há pelo menos três séculos ao longo dos 850 quilômetros de margens do Rio Tapajós, oeste do estado do Pará, em plena floresta Amazônica. Para a bacia do Rio Tapajós, último grande rio amazônico sem barragens, o governo federal tem planejado sete grandes usinas hidrelétricas – o que deve impactar pelo menos 100 aldeias.

A principal usina do chamado Complexo Tapajós, com previsão de operação para até 2020 [de acordo com o último Plano Decenal de Expansão de Energia], é a de São Luiz do Tapajós, que deve alagar 722,25 quilômetros quadrados – será a terceira maior do país com orçamento previsto em 30 bilhões de reais.

A maior parte das aldeias ao longo do rio deve sentir os impactos do projeto, mas a Terra Indígena Sawré Muybu será diretamente impactada com a usina São Luiz do Tapajós. Os indígenas terão de sair de seu território, já que está previsto o alagamento de partes significativas da terra indígena Sawré Muybu, inviabilizando a vida no local. “Isso é o que eles querem. Querem nos ver longe daqui. Estamos em uma guerra por nosso território e saímos daqui apenas mortos”, afirma Rozeninho Saw, que invoca suas origens. “Os Munduruku são conhecidos por sua característica guerreira – a palavra “Munduruku" foi atribuída à comunidade em analogia às formigas de fogo, já que, assim como elas, seus antepassados partiam sempre em coletivo para suas expedições de guerra.

Os planos do Governo Federal de retirar os Munduruku de suas terras são anticonstitucionais. A remoção de indígenas é vedada pelo artigo 231 da Constituição brasileira. Mas, para defender a usina, o governo usa o argumento de que a terra da Sawré Muybu não é reconhecida oficialmente pela União.

A retórica do governo federal caiu por terra e seus planos se viram ameaçados quando um estudo da Fundación Nacional del Indio (FUNAI) [necessário para que a demarcação da terra seja oficializada], que demorou sete anos para ser realizado, reconhece a área como de ocupação histórica dos Munduruku e define a demarcação de acordo com os locais sagrados para os indígenas. Desde que ficou pronto, em 2013, o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu está parado na presidência da Funai e apenas se tornou público quando uma agência brasileira de notícias, Agência Pública de Jornalismo Investigativo, teve acesso ao documento. “Após exaustivas pesquisas de natureza etnohistórica, antropólogica, cartográfica, ambiental e fundiária, o GT [Grupo de Trabalho responsável pelos levanamentos] concluiu pela tradicionalidade da ocupação Munduruku no território identificado”, afirma o relatório.

Tapajós: predominantemente indígena


O médio Tapajós é uma região onde a ocupação permanente não-indígena é escassa e, na maioria das vezes, inexistente, segundo o relatório da Funai. Iniciada apenas no século XIX, esta ocupação não-indígena foi impulsionada pelas frentes extrativistas da borracha, e declinaram e desapareceram junto com a queda dos preços do látex nos mercados nacionais e internacionais. “Nas poucas vilas existentes, foram os forasteiros que tiveram de se adaptar ao modo de vida indígena, e não o contrário”, afirma o relatório. “A este 'vazio demográfico de não-indígenas' na área se contrapõe a presença maciça de indígenas da etnia Munduruku, bem como de outras etnias que ali habitavam antes da conquista, sobre as quais sabe-se muito pouco”.

Ainda hoje, a região permanece praticamente desabitada por não-indígenas, que utilizam o local apenas para realizar atividades como a pesca – principalmente predatória – e a garimpagem – muitas vezes realizada de maneira irregular.

Según la Funai, el órgano del Gobierno brasileño que establece y desarrolla las políticas relacionadas con los pueblos indígenas, existen 11 Tierras Indígenas Munduruku en Pará. A lo largo del Tapajós están 10 de ellas, siendo que solamente 2 están oficialmente demarcadas y las demás en proceso de demarcación.

Terra mãe

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O território indígena Sawré Muybu, reconhecido no estudo, possui uma área de 178.173 hectares, com extensão de 232 quilômetros, e abrange parte dos municípios de Itaituba e Trairão no estado do Pará.

A Terra Indígena Sawre Muybu - que engloba três aldeias (Sawre Muybu, Dace Watpu, Karo Muybu) - é um local de suma importância para o povo Munduruku já que pode abastecer toda a população Munduruku do Médio Tapajós [o rio é dividido em baixo, médio e alto Tapajos e desagua no Rio Amazonas], onde existem mais quatro aldeias Munduruku: Praia do Mangue, Praia do Índio, Sawre Apompu, Sawré Juybu. “Aqui somos uma espécie de terra mãe para as outras aldeias. Por termos um território maior, parentes de outras localidades vem buscar alimentos, caça e materiais para fazer suas ferramentas de trabalho”, conta Rozeninho.

De acordo com o relatório da Funai, na parte central do território Munduruku nascem os igarapés que drenam a água para o rio Tapajós, “a partir dos quais criaram-se ambientes que apresentam características ecológicas singulares em termos de composição florística e habitat para espécies cinegéticas, que oferecem aos habitantes de Sawé Muybu o estoque de recursos necessários à obtenção de alimento e matéria prima para a elaboração de seus utensílios e construções”.

A Terra Indígena Sawre Muybu abriga ainda dezenas de locais sagrados para os Munduruku, como os chamados Igarapé São Gonçalo e Igarapé do Fecho, que devem desaparecer caso a área seja alagada. O igarapé São Gonçalo deságua no rio Tapajós exatamente onde está assentada a Aldeia Velha dos Munduruku. “Esse igarapé é fundamental para a realização de um dos principais rituais Munduruku, a tinguijada. É uma região com a presença de muitas palmeiras - açaí, buriti e bacaba -, além de copaíba e patauá, razão pela qual são atraídas diversas espécies caçadas”, consta no relatório da Funai.

O igarapé dos Fechos, próximo à região conhecida como Fechos, possui fundamental importância na mitologia Munduruku. “Os indígenas acreditam ter sido o local de surgimento do rio Tapajós. Logo ao lado do Fecho, encontra-se a ilha da Montanha e um paredão rochoso onde, para os Munduruku, estão os rastros dos porcos míticos que atravessaram o Fecho”, descreve o documento.

De acordo com Ação Civil Pública do Ministério Público Federal, de 2012, que pede à Justiça Federal a suspensão do licenciamento ambiental da obra, entre os direitos desrespeitados dos Munduruku está “a violação de áreas sagradas, relevantes para as crenças, costumes, tradições, simbologia e espiritualidade desses povos indígenas, o que é protegido constitucionalmente”, afirma o documento.

Alteração de Lei

O território Sawré Muybu coincidia com a unidade de conservação Flora Itaituba II e por isso não poderia ser alagado. Mas em janeiro de 2012, a Presidente da República reduziu os limites de sete unidades de conservação, incluindo a Flora Itaituba II, de forma que, a área, agora desprotegida e que coincide precisamente com o território dos Munduruku, pudesse ser destinada ao reservatório da hidrelétrica. Os limites das unidades foram alterados pelo governo através da Medida Provisória (MP) n. 558/2012. O ato foi convertido na Lei n° 12.678/2012.

Tapajós para o mundo

O Tapajós é formado por diversas ilhas, lagos e paranãs que servem como importantes sítios de pesca, além de servir como via de acesso a diversos locais de coleta de produtos florestais como a castanha, a bacaba, o burtiti e a copaíba. O igarapé dos Fechos, por exemplo, é um local onde o rio Tapajós sofre um estreitamento em função de saliências em ambas margens do rio. Essa região apresenta muitos afloramentos rochosos graníticos no leito do rio. Tapajós com suas corredeiras e saliências apresenta dificuldade de navegação para grandes embarcações.

Com o rio transformado em uma sequência de lagos, resultado das represas formadas para as setes hidrelétricas, será possível estabelecer um sistema hidroviário do Tapajós com posição estratégica, pois ligará os maiores centros de produção agrícola do Brasil, principalmente de soja e milho da região central e a produção de minério, incluindo ouro, em larga escala da própria região norte, ao rio Amazonas e ao Oceano Atlântico.

Além disso, as hidrelétricas serão vitais para a exploração de minério na região. “São absolutamente necessárias para o funcionamento da indústria mineral pela eletricidade que devem gerar. Este processo consolida a negação dos direitos territoriais dos povos que ocupam a região”, afirma Nayana Fernandez, documentarista e apoiadora autônoma dos povos do rio Tapajós, que realizou o documentário “Indígenas Munduruku: Tejiendo la Resistencia”.

China - A Eletrobrás Furnas, subsidiária da Eletrobrás vinculada ao Ministério de Minas e Energia, assinou um acordo de cooperação estratégica na área de energia elétrica com o grupo chinês China Three Gorges International Corporation (CTG), com o objetivo de construir a Usina Hidrelétrica São Luiz do Tapajós. O acordo faz parte da estratégia de Furnas para trocar expertise com grandes players internacionais do setor de energia.

Ouro para o mundo

A exploração do ouro tem sido o maior problema ambiental na região que conforma a bacia do Tapajós. Considerada a maior reserva aurífera do mundo, ela vem sendo explorada com garimpagem manual desde o final da década de 1950, afirma o relatório da Funai. “O município de Itaituba foi, na década de 1980, o maior produtor de ouro do mundo, com uma produção estimada em 10 toneladas de ouro por mês, segundo a Secretaria de Mineração e Meio Ambiente de Itaituba e a Associação dos Produtores de Ouro do Tapajós”.

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Segundo dados do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), investigados pelo relatório da Funai, na Terra Indígena Sawré Muybu já existe a Permissão de Lavra Garimpeira, publicada em 2013, em favor da Associação de Garimpeiros da Amazônia. Ou seja, o documento garante a titulação para exploração do minério. “Ao todo, são 94 processos protocolados no DNPM que incidem sobre os limites do território indígena Sawré Muybu”, esclarece o relatório.

Impactos

Mesmo que as obras não tenham começado no Tapajós, os impactos já fazem parte do cotidiano dos Munduruku. “A própria não publicação do informe que determina a demarcação oficial das terras Sawré Muybu é um impacto das obras. Assim como a iniciativa de autodemarcação das terras sagradas em defesa da continuidade do que é ser Munduruku e na luta de seguir vivendo nas terras ancestrais”, destaca Nayana Fernandez.

Diante das experiências já vivenciadas por outras comunidades tradicionais no Brasil com a construção de hidrelétricas e das análises de estudos que preveem a devastação do território, “a principal preocupação e o principal foco de ação dos Munduruku passaram a ser a defesa do seu território”, conta a documentarista.

Obras hidrelétricas em outros rios, como o rio Teles Pires, ou a represa de Belo Monte no Rio Xingu, já vêm mostrando quais são os impacto mais radicais da implantação de grandes obras como essas. “No rio Teles Pires, por exemplo, para que se tenha construído a hidrelétrica Teles Pires, as construtoras dinamitaram as cascadas de 'sete quedas', consideradas um sítio sagrado para os Kayabi, Apiaka e para os Munduruku. Esta tragédia se levou a cabo sem consulta prévia das populações locais, como demanda o Convênio OIT 169, do qual o Brasil é signatário”, afirma a documentarista.

São esperadas mudanças paisagísticas drásticas, no comportamento do rio e de seus afluentes, na vegetação e no curso do rio, além dos problemas sociais, econômicos e de infraestrutura gerados em função da implantação do canteiro de obras. Alguns dos impactos elencados pelo relatório da Funai: alterações no nível e vazão do rio; perda de vegetação e de habitats para animais, sobretudo nas áreas de igapó; interferências em rotas migratórias de peixes. Peixes-boi, tucuxis e tartarugas-da-Amazônia, jacaretingas, tracajás, lontras, jacarés-açus, ariranhas e botos-cor- de-rosa serão afetados.

Os principais locais de pesca também serão afetados. Com a inundação desaparecerão os paranãs, ilhas e lagos de ilhas e igapós do rio Tapajós. A destruição desses ecossistemas, juntamente com os açaizais, certamente terá impacto negativo tanto na obtenção do pescado quanto na disponibilidade de inúmeros recursos vegetais coletados para alimentação e emprego tecnológico, descreve o relatório da Funai.

“O reconhecimento da TI Sawré Muybu, por parte do Estado, é imprescindível para conferir segurança jurídica aos indígenas e garantir que seus direitos sejam plenamente respeitados em virtude da possibilidade de implantação do complexo hidrelétrico”, assinala o documento da Funai.

Sem recursos para demarcação?

Em maio de 2014, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil púbica na Justiça Federal de Itaituba contra a FUNAI e a União pela demora na demarcação de Terra Indígena Sawre Muybu. Os Munduruku se reuniram com Maria Auguesta Assirati, ex-presidente da FUNAI, em Brasília, setembro de 2014. Na ocasião ela admitiu que a publicação do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu não aconteceu por interferência de setores do governo interessados na maior usina hidrelétrica prevista para a região – São Luiz do Tapajós.

Em 2015, o MPF continuou insistindo na demarcação por vias legais, contestando o Tribunal Regional Federal (TRF) para que a FUNAI fosse obrigada a dar prosseguimento ao caso e, no dia 27 de março, solicitou julgamento antecipado do processo que discute a demarcação. Em abril de 2015, recebeu parecer favorável e a sentença do juiz Illan Presser manteve os 15 dias de prazo para a avaliação e publicação do relatório. Mas a União recorreu novamente da decisão e o processo foi encaminhado para reavaliação do TRF.

A Funai foi intimada da sentença judicial, obrigando o prosseguimento da demarcação, no dia 21 de julho. A Justiça deu prazo de 15 dias para que o relatório, pronto desde 2013, fosse apreciado e publicado. O prazo venceu dia 5 de agosto. Em vez de dar prosseguimento à demarcação, a procuradoria da Funai pediu a suspensão da sentença ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Para o MPF, deve ser aplicada imediatamente a multa diária de R$ 3 mil (já prevista na sentença) e enviada intimação à Funai para que cumpra a decisão.

O Ministério Público Federal enviou comunicado à Justiça Federal em Itaituba informando que a Fundação Nacional do Índio (Funai) descumpriu sentença que obrigava a publicação, em 15 dias, do Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação da Terra Indígena Sawré Muybu.

De acordo com o MPF, nos argumentos oficialmente apresentados à Justiça, a Funai alega que a prioridade nas demarcações atualmente é dada aos territórios indígenas nas regiões sul e sudeste do país e que não há disponibilidade orçamentária para a região amazônica.

Para o MPF, o argumento não se sustenta porque não há necessidade de orçamento para publicar um relatório, a verba pública nesse caso já foi aplicada, na confecção do estudo. “Desperdício de dinheiro público seria continuar com o relatório engavetado, depois de todo o investimento e diante da violação de um direito constitucional dos indígenas”, diz o procurador da República Camões Boaventura, responsável pelo processo.

A Justiça Federal de Itaituba pode, atendendo o pedido do MPF, intimar a Funai e obrigar o cumprimento imediato da decisão. “Quanto mais o estado brasileiro demora em cumprir sua obrigação constitucional e assegurar o direito dos indígenas, mais avançam os criminosos dentro do território, colocando em risco grave a sobrevivência dos indígenas”, explica o procurador Camões Boaventura.

Frente de proteção ao território

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A arte da guerra Munduruku tem como inspiração a figura do jabuti. Suas lendas contam que a sua esperteza e o espírito de coletividade o fazia vencer os mais temidos inimigos. “Nos dias de hoje, para vencer as ameaças de extermínio do nosso povo, devemos utilizar nossa sabedoria. Os inimigos dos povos indígenas, assim como o cobrão, apertam suas presas até quebrarem seus ossos e as asfixiarem. Mas o Jabuti nos deu a lição de como derrotá-los”, afirma o povo Munduruku em uma carta assinada coletivamente.

A saída encontrada pelos Munduruku tem sido a autodemarcação. A primeira incursão de retomada aconteceu em outubro de 2014, tendo como referência o território delimitado pelo relatório da Funai, finalizado em 2013. Como o Governo Federal não reconhece o estudo feito pela Funai, os próprios Munduruku estão retomando suas terras. “Autodemarcação da TI Sawré Muybu consiste em um movimento de resistência às grandes obras e projetos de desenvolvimento do Governo e companhias multinacionais planejados para a Amazônia (hidrelétricas, hidrovias, extração de madeira, expansão do agronegócio, etc), bem como à organização de frentes de proteção e vigilância do território indígena, face às atividades ilegais de ocupação de suas terras e exploração de seus recursos naturais”, afirma carta dos Munduruku.

Os Munduruku finalizaram um segundo processo de retomada de parte de seu território em julho do ano de 2015. “Estamos vendo aqui a destruição que o pessoal está fazendo no açaizal. Quem começa tudo isso são os madeireiros. Eles fazem o ramal e os palmiteiros vem atrás destruindo o açaizal. A gente estava preservando para tirar o açaí para os nossos netos, estamos vendo que não temos mais quase nada na nossa terra. Daqui que a gente tira a fruta para dar o suco aos nossos filhos e agora estamos vendo a destruição. Sempre dizemos que o pariwat (branco) não tem consciência disso. Por isso que estamos fazendo a autodemarcação, porque os pariwat estão destruindo as árvores, nós não fazemos ao modo deles”, afirmam os Munduruku em carta [confira la IV Carta de Autodemarcación].

Segundo Rozeninho, uma assembleia geral dos Munduruku está marcada para setembro, momento em que decidirão os próximos passos e farão uma avaliação detalhada do processo de autodemarcação.

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